Pra que meditar ?

Escrevo sobre isto porque hoje compreendo a importância do aquietamento, do silêncio e de tomar um tempo para acalmar a mente e observar os pensamentos, que associados a uma emoção ou lembrança têm muito poder de nos tirar do momento presente, mas sei também que é impossível silenciar com tanto barulho afetivo-emocional de pendências amarrando-nos a nossa infância.

Como ficar comigo mesma e em paz com tanta conversa interna, com tanta cobrança, tanta acusação e presa em tantas crenças?

Lembro-me que o primeiro contato foi com a meditação transcendental.

Fiz o curso (em 1991) e comecei a fazer 20 minutos pela manhã e a tarde.

Me via numa falação impossível! O pior de tudo era que eu estava ali, sentada no Mantra e ficava pensando sobre tudo o que eu não estava fazendo naqueles 20 minutos e tudo o que eu faria na sequência.

Os primeiros meses foram estas brigas na minha mente.

Minha mente dizia: pra que fui me meter nisto? Já tenho tanta coisa pra fazer e agora ainda mais isto e….blá blá blá.

Entre pensar o que faria quando terminasse e o que eu não estava fazendo enquanto meditava – assim passava meu tempo da meditação, ainda não sabia que existia a possibilidade de observar os pensamentos.

Até que um dia me deu um “clic” durante a meditação e me perguntei: eu vou deixar de fazer meditação?

Logo senti a resposta: não, não vou parar. Senti e me respondi.

Decidi naquele momento.

Bem, então já que eu estou aqui vou ficar aqui.

Isso deu um cala-boca na mente, então poderia dizer: “deu um cala a mente”.

Mas na paralela, a vida que segue, eu trabalhava com educação física numa unidade da prefeitura. Os meus amigos desta unidade começaram a ver uma diferença em mim e me perguntar o que estava acontecendo.

Eu mesma não sentia diferença.

Contei que a única coisa diferente que estava fazendo era meditação transcendental. Eles se inspiraram e foram também fazer o curso.

Minhas irmãs também se interessaram, perceberam alguma diferença e foram também fazer o curso, fizemos alguns retiros de meditação juntas. Isso motivava, era bem gostoso, e eu voltava bem.

Mas eu era um turbilhão de intensidade, lógico, não percebia muita diferença. Minha expectativa e idealização estava muito além do passo a passo.

Nesta época tinha bulimia e era compulsiva por exercício, corria muito.

Hoje acho que corria de mim…

Além disso, lógico tinha a endorfina que o exercício produz e vicia.

A corrida era minha exigência máxima, sem permissão de não correr um dia, mais academia e as aulas que eu dava. Mesmo assim duvidava se era suficiente, porque tinha muita crítica com meu corpo.

Nada era suficiente.

Assim seguia. Entre estes conflitos, e depois fiquei um bom tempo sem vomitar, aconteceu minha separação, comprei minha casa, mudei e depois deste tempo tive um “relacionamento” muito doido e na sequência uma recaída, na bulimia, hoje compreendo era um chamado para olhar para alguns aspectos profundos como submissão, co dependência, inferioridade, vergonha.

Muito exercício, muito trabalho e bulimia. Mas meditava, e a sensação era que de nada adiantava. Parei por um tempo.

Nada adiantaria ao meu ver porque a exigência era milhão. Hoje quando vejo algumas anotações daquela época percebo que sim, fazia diferença, mas isto percebo hoje. Porque tinha muito sentimento não identificado e não elaborado neste universo corpo e mente, que não se alinhavam por nada.

Entendia muitas coisas mas sentia tudo diferente. E esta equação não fechava.

Por muito tempo não falava sobre a bulimia com ninguém – nesta época minhas irmãs já sabiam. Até que, num pico de crise de bulimia, a cada vômito eu tinha a esperança de que fosse a última vez e quando não era, a frustração de não ter conseguido segurar a onda, neste período estava tão ruim, tinha “ataques” (assim chamava minhas crises de vomito) três vezes por dia.

Quando comentei com Sangita – minha irmã mais velha, ela me disse que tinha feito um curso de renascimento e que achava que eu deveria fazer. Já havia me convidado anteriormente e eu não topei, mas estava me sentindo “desenganada”, no fundo do poço, porque já havia tentado tanta coisa e nada dava certo.

Renascimento e meditação ativa

Porém tava tudo tão sem opção, que resolvi ir. Foi um final de semana. Teve respiração e meditação ativa, numa meditação ativa tinha campo onde a raiva era muito bem recebida, logo senti que ali tinha pra mim. Porque poder acolher e expressar minha raiva, enorme, tão reprimida e condenada, só lembrando, nasci numa família evangélica, e raiva era algo nada louvável.

Na sequência teria uma formação de quinze dias. Naquele fim de semana decidi que iria.

Foram quinze dias de muita respiração, meditação ativa, roda de compartilhamento de sentimentos, bioenergética, silencio e muitas vivências…. depois de tudo que aconteceu lá voltei “virada no Jiraya”.

Mas ali, além de muitas coisas, ouvi falar sobre o OBSERVADOR. Não fazia a menor idéia de quem era este tal de observador, mas sabia que existia. E que estava dentro de mim mesma. Não o encontrei mas sabia que existia. Como dizia uma amiga muito querida, ” que tem, tem, mas onde está , é que está !

Ao voltar, eu não era mais a pessoa que chegou lá. E ainda não tinha a menor idéia do que estava sendo.

Voltei para a vida que tinha e não me achava mais. Aquilo mexeu muito comigo e fiquei um tanto sem recursos pra dar conta de tudo.

Trouxe dali ótimas ferramentas: as meditações ativas.

Nestas meditações sempre tinha um movimento específico no corpo e depois de liberar um pouco e movimentar o corpo tinha o silêncio. Fazia uma pela manhã e a outra a tarde e nos intervalos trabalhava e dava conta de segurar a onda.

Alguma coisa mudou totalmente e até meu trabalho que era bem sólido e intenso balançou …. e caiu.

Poucos anos depois mudei de profissão, mas as meditações eram ferramentas inseparáveis.

Nesta época já sentia sim muita diferença e os efeitos das meditações, associados a outras formas de autoconservação, mas o “tal observador” já dava o ar da graça. Dei grupos de meditações por um bom tempo e também tinha ótimos feedbacks dos participantes.

Meditação e espiritualidade

Na sequência disto comecei participar de um trabalho Xamânico terapêutico, tive minhas primeiras viagens para Índia, e que logo as coisas foram se transformando e fui orientada a cantar diariamente 108 vezes um mantra, o Gayatri.

As primeiras vezes sentia dor na boca com esta vibração sonora e a força do significado, esta dor me irritava, mas ao final ficava bem. Aos poucos fui relaxando e me integrando com o mantra que sempre me atraiu, desde adolescente gostava de mantras, ainda frequentava a igreja (que meus pais frequentavam desde que nasci) mas já me encantava ao ouvir mantras. Tinha uma única loja por aqui que tinha fita cassete de mantras, eu tinha algumas e me sentia muito feliz quando conseguia comprar uma nova. Ouvia mas nem sabia que era mantra.

Segui em frente.

Nesta escola de auto-conhecimento e espiritualidade que estava aprofundávamos muito nos aspectos do ego, na criança ferida, meditação e espiritualidade.

Até que fui para um intensivo de cinco dias que seria de silêncio, lá recebemos bastante acolhimento nas questões da criança ferida e num determinado momento, era a hora de iniciar o silêncio ficaríamos dois dias em mauna (silêncio total, sem nem trocar olhares).

Bem, fui para este retiro de silêncio porque queria silêncio.

Mas na hora que ele disse: meditaremos agora e a partir desta meditação entraremos em mauna, fechei meu olho para a meditação e uma inquietude tomou conta de mim. Sentia raiva e não conseguia aquietar a minha mente, nem mesmo a sensação no corpo.

Foquei na respiração e me perguntava: afinal o que está me inquietando? Que raiva é esta? Do que estou com raiva?

Afinal, vim por iniciativa minha.

Daí consegui relaxar um pouco uma tensão que sentia na minha barriga. Observei, foquei na respiração e daí chegou uma compreensão, acessei uma memória.

Não me sentia ouvida, considerada nas minhas demandas e quando o terapeuta, que era quem me ouvia e acolhia pediu silêncio, eu fui naquele lugar da minha infância e adolescência e pude perceber o quanto aquilo ainda me incomodava. Como se até ele não quisesse saber de mim, como se ele que era a pessoa que me ouvia, não quisesse mais saber de mim.

Sim. Projetei minha mãe nele. Sim esta foi a mãe que escolhi e a melhor mãe para mim, mas mesmo sendo isto, muitas coisas eram dores pendentes.

Neste momento pude observar este sentimento, afinal já tinha uma certa notícia do observador. Com um percurso nas meditações, mantras e tentativas de silenciar a mente, alguma conquista vai se dando.

Ao identificar este sentimento de solidão e abandono, de não me sentir interessante o suficiente para merecer ter atenção e ser ouvida e considerada na minha necessidade, tudo veio a superfície e sem querer, um choro aconteceu. Daí consegui um pouco de relaxamento.

A quietude até passou por ali…Não ficou muito, mas deu o ar da graça.

Deste insight que tive rendeu muito meu trabalho terapêutico.

Inclusive porque o que sentia ainda estava muito na vítima, na acusação.

Na teoria sabia que tinha escolhido esta família, mas ainda não sentia que isto era assim mesmo e que o que eu sentia era muito meu universo, mas fazia parte reconhecer onde minha criança estava presa. Se não reconheço não tenho como desatar este nó e seguir em frente.

No ano seguinte lá vou eu novamente para outro intensivo de espiritualidade, mais cinco dias. Fui toda animada.

O silêncio ao mesmo tempo que me assustava me encantava.

E eu sabia em algum lugar dentro de mim que este era um ótimo lugar para estar, mas novamente uma revelação .

Eram cinco dias, nos dois primeiros ainda falávamos, no momento do silêncio, ele fez uma frase:

“Ao terminarmos a próxima meditação, entraremos em mauna, silêncio absoluto, será uma oportunidade de você ficar consigo mesmo”.

Toda feliz, fechei meus olhos para meditação e logo a frase dele ecoava em minha mente …. uma oportunidade de você ficar consigo mesma…. imediatamente observei um pensamento :”caramba vou ter que ficar comigo mesma com tanta gente legal que tem aqui”.

Aquele pensamento me chamou muito a atenção. Pude perceber que o que me movia para fora era achar que eu não era tão legal assim.

Impactante.

Mas, juntando as duas informações, se eu não fui ouvida e considerada, acreditei que era porque eu não era uma pessoa interessante e se não sou interessante pra minha mãe, não sou interessante. Esta foi a crença que estive atrelada a maior parte da vida. Então me esforçava muito para me sentir vista e interessante. Um esforço inatingível.

Fui além e deu bastante material para meu trabalho de autoconhecimento. Até desenrolar o que tinha neste kit, afinal era uma certeza que “fora teria o que acreditava que não tinha dentro”. Até hoje posso me observar e percebo o quanto bom é este tempo, quieta, parada, meditando. Ainda me pego boicotando, pensando em fazer alguma coisa antes e sabendo: se não fizer a meditação naquele momento, no meu dia não farei. Me observo: quem em mim esta boicotando o meu bem-estar?

Sempre podemos dar um passo a mais

Ouço às vezes: eu não consigo meditar, pra mim não vai dar.

Sempre respondo: se deu certo pra mim dá pra todos.

Mas precisa querer. E tentar …. tentar ….. tentar.

E a cada tentativa uma conquista, ainda que pequena, é uma conquista.

E a cada conquista o espaço interno aumenta até que não terá mais limite.

2 Replies to “Meditação … como chegou a mim?”

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